quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

NEURÓNIOS EM FÚRIA

Indigência Intelectual Imaculada[1]
Suponhamos, que um casal de idosos a circular tranquilamente no cumprimento de todas as regras de trânsito é abalroado por um veículo a circular em sentido contrário, em excesso de velocidade numa manobra perigosa de ultrapassagem, feita contra as regras. Apelaram aos tribunais, mas o juiz absolveu o infractor, alegando a necessidade de chegar rapidamente ao trabalho. Recorrendo para os tribunais superiores os lesados, com os corpos e os direitos violentados, viram recusadas todas as reparações dos delitos cometidos. Como remate final obtiveram um acórdão do Tribunal Superior, onde se registam fundamentações do género:
«Mais precisamente, interessa apurar se o direito de» circular pela direita «invocado pelo recorrente, como ter sido lesado pela publicação das» decisões «em causa, merecerá, neste caso, a protecção que o» Código de Estrada «lhe dispensa à partida.»
«Quando o artigo» 13º «garante que o direito de» circular pela direita se faz o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes, «quer sublinhar que o direito de» circular pela direita «não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto» do referido código.
«Ora, esta questão não pode deixar de ser analisada e decidida no confronto entre o direito» de circular pela direita (nº. 1 artº. 13)«e o direito de» ultrapassar (nº. 2 artº 13º), «sendo mister apurar qual deles é prioritário, ou qual deles deve ceder perante o outro.»
«No caso concreto, o»
tribunal a quo «não podia deixar de dar prioridade ao direito a» ultrapassar, «de resto também consagrado» no art. 13 e seu nº 2, Código da Estrada, «uma vez colocado em confronto com o direito de» circular pela direita, «invocado pelo recorrente.»
«A Relação, tendo considerado não se verificarem os pressupostos ilicitude e culpa da responsabilidade civil, negou provimento ao recurso, aduzindo como fundamentos nomeadamente que o» nº. 2 do art.º 13º «autoriza o Estado a intervir e a restringir os poderes dos» condutores idosos aposentados «para promover o acesso à» ultrapassagem dos cidadãos apressados para chegar ao seu local de trabalho.
O tribunal a quo, «conhecendo como conhece, a» falta de tempo de quem trabalha, bem como a insegurança que se vive no mundo laboral, «sacrifica um direito do» aposentado, «a favor do direito do» trabalhador a dispor da possibilidade de chegar rapidamente ao local de trabalho. «De facto, retira àquele o direito que, em princípio, lhe assistiria» de caminhar tranquilamente pela direita.
O tribunal a quo «considera, e bem, que o» condutor apressado «quando não usa» o carro da empresa «para o fim a que se destina não merece a tutela proteccionista e vinculística, não se justificando o ‘sacrifício’ do» aposentado «e também da comunidade que, assim,» morto o aposentado, «pode, em princípio, beneficiar de mais uma» pensão a poupar.
«Já vimos que o direito de» circular pela direita e a manter as distâncias adequadas entre veículos, «previstos nos» arts. 13, nº 1 e 18, nº 2 do C.E., «não são absolutos, e que, por vezes, devem ceder perante outros direitos, nomeadamente de natureza social e laboral.»
«Se encararmos, portanto, por este prisma, as restrições legais impostas ao direito de» circular pela direita, «nenhuma censura pode merecer-nos a descrita actuação do» tribunal a quo.
«Assim, para se afirmar a existência de ilicitude seria necessário que a» decisão tomada, «contra a qual o recorrente se insurgiu, tivesse violado o direito de» circular pela direita «por si invocado, o que, como se viu, não aconteceu, face ao confronto estabelecido entre esse direito e o direito» à ultrapassagem, «ambos consagrados na nossa Lei»[2] de Circulação Rodoviária.
Nesta glosa[3] sobre o Acórdão nº 263/00 do Tribunal Constitucional, que constrói uma charada sobre um falso e inventado confronto entre o direito de propriedade de um arrendador[4] (pouco senhorio) e o direito à habitação de um arrendatário, apenas as palavras que não estão em itálico são da responsabilidade do autor. Apenas se substituíram actores e regras. Os raciocínios e fundamentações permanecem com os seus autores, os senhores Juizes Conselheiros do Tribunal, os cérebros iluminados que avaliam toda a justiça e legalidade da nossa vida colectiva.
O caricato da questão é que o advogado não recorreu da lesão do direito de circular cumprindo as regras (direito de propriedade), provocado por um acto prevaricador de delito por parte dum condutor delinquente, que não respeitou as regras da ultrapassagem[5] (direito à habitação), derivando desse delito danos para o seu cliente, os quais deveriam ser reparados à luz do direito. Argumentou que o direito de circular pela direita (propriedade) era mais forte que o de ultrapassar (habitação). Quem o mandou ser gabarola e gabar a força do seu direito? Perdeu o confronto em três tempos. Tão pouco os Juizes aferiram o acto pela regra para proferir a decisão justa. Proferiram um arrazoado demente sobre a força dos direitos, e até atribuiu direitos aos que exercem o poder e poderes aos que obedecem – súbditos. Quem se submete à regra e obedece à lei pode. E pode em troca da aceitação obrigatória de sacrifícios. Mas quem exerce o poder tem direitos. E ainda escolhe as melhores leis e rejeita outras. Afinal há vários poderes, por aí a pairar, incluindo o poder de «separar o trigo do joio» em matéria de leis!
[1] - Sem qualquer mácula de eloquência.
[2] - Acórdão nº 263/00 do Tribunal Constitucional. Todas as palavras em itálico estão contidas no acórdão.
[3] - Ensaio sobre texto obscuro. In Dicionário da Língua Portuguesa, 5ª Edição, Porto Editora.
Obscuro e tenebroso.
[4] - No português falado e escrito no Brasil usa-se o termo. E está mais correcto por define a acção do agente. Nem o inquilino da Casa Branca paga renda nem os senhorios portugueses são senhores de nada. Apenas um grupo de indivíduos vivendo debaixo de tirania pior que Coreia do Norte e roubados sem dó nem piedade. Ainda pagam IMI em dobro.
[5] - Qualquer direito é garantido pelo soberano e não por súbditos graduados em soberanos.

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